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sábado, novembro 14, 2009

Diário de um dia ...FINAL!



A viagem de regresso, à velha aldeia, tinha decorrido da melhor forma.

De mão dada, os quilómetros foram devorados ao som de música clássica. Entre olhares sempre cúmplices, a conversa aconteceu:

- Meu amor…gostei tanto do texto que escreveste de memórias. Sabes…rio-me quando penso, como é que dois “meninos “ da aldeia…hoje são habitantes das selvas urbanas…
- Vamos parar para tomar um cafezinho?
- Sim…

O velho “Sim”, muito mimado, cheio de perfume amor.

- Amor…porque escreveste aquelas memórias?
- Quero deixar um testemunho…
- Fazes bem…
- Tão bonito o texto….e retrataste-me tão bem….aquela passagem junto do relógio da Torre...

Na velha escola de Veredas, sete meninos (dois meninos e cinco meninas) juntavam-se à volta de uma mesa em U, onde a Dª. Maria leccionava os quatro patamares do ensino básico…em simultâneo.

Tarefa difícil, para quem ensinava…há mais de três décadas e, apesar da evolução tecnológica, combatia o interior desconhecido com velhas sebentas e livros remendados.

Ao lado, noutra aldeia, Rios, sete meninos ( uma menina e seis rapazes ) tinham carteiras individuais…e até um projector de “slides”…quase sempre avariado, para além de uma “televisão”, que era um interessante aquário e, uma professora fera na disciplina, competente no ensino, doce no humanismo, a Dª. Mariana .

Apesar de escolas bem diferentes, rivalizavam no ensino e, até em junção com a paróquia, organizavam jogos florais, sempre momentos altos nas festas de Natal, realizadas na Igreja.

Os pais, não cabiam de contentes em ver os seus “putos” subir ao palanque, para declamarem ou lerem obras da sua lavra. E o comentário era unânime na praça da Junta:

- Aquela Zita é endiabrada…lembra-se de cada uma….

E do outro lado fazia-se logo sentir a diferença:

- Pois…pois, mas o Zézito chega para ela…
- Tá bem …dá-lhe troco…mas ela leva sempre de vencida…
- Sim…mas este ano ganharam os dois…e sabes como é, as raparigas crescem mais depressa que os rapazes…eles ficam ali a patinar uns anitos…mas depois…é vê-los galopar…

Naquele ano, o padre António tinha pedido para fazerem um poema sobre o Amor, muito a propósito da visita papal.

Zézito escreveu e disse assim:

Eu amo o Céu e a Terra
Amigos do Sol de cada dia
Porque quando acordamos
Pensamos logo em brincar
Antes que a Lua chegue.
Depois, à noite
Com amor rezamos
E vamos para a caminha
A pensar no dia seguinte
Nas correrias até chegar à escola
Onde a Dª. Maria com amor
Nos ensina a sermos crescidos.
Eu quero ser crescido
E ter amor também!

A Zita ajeitou o laçarote do bibe, sorriu e declamou:

Na minha terra há amor
Um amor que é nosso
De todos.
Eu amo a família
Os amigos
E os animais.
Dar amor é tão bom!

No final, as votações foram unânimes. Zita e Zézito, ganharam um primeiro lugar. Subiram ao palanque, o senhor prior deu-lhes um prémio, um livro de catequese e, de mão dada agradeceram as palmas. Olharam um para outro…e partiram para as suas aldeias, ainda distantes.

Nas férias da Páscoa, Zézito correu até Rios. Eram quase dois quilómetros , por entre quintas e silvados, à procura de brincar um pouco com a Zita . Chegado ao terreiro da Fonte, viu-a no degrau fundeiro da sua casa, a brincar com outro menino à sardinha. Aproximou-se, devagarinho…e o outro menino ao notá-lo, deitou a língua de fora à Zita e desapareceu a correr.

- Olá… "tás" boa?
- Sim…vieste aqui com os teus pais?
- Não… vim sozinho.
- Sozinho?
- Sim…vim ver-te …brincar um pouco…
- Olha tens um pião?
- Sim… e sei lançá-lo…queres ver?

Por ali ficaram, entretidos na brincadeira…enquanto ela brincava à malha e, ele fazia habilidades com o pião.

Antes da ceia, disse-lhe adeus e correu até casa. Ainda a tempo de lhe perguntar:

- Amanhã posso vir brincar contigo?
- Sim…

No dia seguinte, voltou a Rios e lá estava a menina do seu encanto, com um enorme laçarote no cabelo, a brincar com mais meninos.

Aproximou-se…devagarinho... olhou-a sorridente e disse-lhe:

- Olá…"tás" boa?
- Sim…e tu?
- Também
- Olha lá…não te cansas de vir aqui para brincar comigo….e depois voltares p’ra trás?
- Não. Gosto de brincar contigo…não faz mal?
- Achas??? …também gosto de brincar contigo…mas não vou a Veredas ….p’ra voltar!
- Isso não importa…

Todos os dias das férias da Páscoa, Zézito fazia quatro quilómetros, para brincar com a menina. E quando chegava a casa, a mãe até lhe perguntava:

- Ah! Rapaz…parece que andas esfomeado…onde andaste que vens vermelho?
- Eu? Mãe…eu andei por aí a correr atrás dos cães do pastor…
- Tu és maluco…

No último dia de férias, Zézito correu até Rios, com uma folha de papel, na mão. No meio do adro da igreja…encontrou a menina Zita a brincar com o outro menino .

Aproximou-se…devagarinho e, o outro menino sumiu. Antes, no entanto, voltou a deitar a língua de fora, acto de imediato reprovado por Zézito.

- Olha…não gosto que brinques com aquele menino…é mesmo parvo…
- Não ligues…ele é assim…
- "Tá" bem…mas não é bonito deitar a língua de fora…a ninguém…
- Não ligues…ele é assim… O que tens na mão?
- É um papel…
- Mostra…

Zézito meio envergonhado, deu-lhe o papel para a mão. Baixou os olhos…e ficou à espera da resposta:

- É bonito…sabes uma coisa…quando o senhor prior, nos pediu para escrevermos sobre o Amor…eu tive quase para escrever que Amor também é namorar…eu vejo a minha irmã mais velha a chamar Amor ao namorado…
- E então … ?
- "Tá" bem…mas olha…tem de ser às escondidas…ainda somos meninos…
- "Tá" bem…mas não voltas a brincar com aquele menino que te deita a língua de fora…
- "Tá" bem…prometo…mas agora, nós podemos deitar a língua de fora um ao outro…somos namorados…

Chegados à aldeia, mesmo à porta da casa, um saco de panos, artesanalmente unidos, com uma broa…e alguns doces. A Ti Maria do Carmo, não se esquecera…dos gostos do Zézito…agora menino Zé.
Entrámos e a casa estava fria.
Corri para a lareira…enquanto ela … agarrava-me pelas costas…e perguntava gozona:

- O jantar fazes tu…ou fazes tu?
- OK…fazemos nós…
- Eu faço a salada…e a sobremesa…
- Não …não …a sobremesa sou eu que faço…com um beijo…
- Maluco…e eu gosto tanto que sejas assim …. o meu doce e apaixonado maluco...UHMMM!

O café era o elo da meditação. Como sempre, enroscados um no outro, em enleios constantes…onde a velha manta de lã serrana , cumpria a função de aconchegar, juntamente com o calor da lareira.

- Amor…porque não me deixaste ler o resto do texto? Tinhas folhas agrafadas!
- O resto do texto é uma surpresa…muito grande…e oxalá que nunca te revele essa surpresa…
- Porquê?
- É uma surpresa…
- Mas…porque não queres revelar…melhor….desejas não revelar?
- Seria levantar recordações …e eu não quero…por ora…
- "Tá" bem…mas fico curiosa…mas respeito… OK?

Era quase meia noite…e as carícias ainda não tinham parado…como sede de um amar saudade.
O telemóvel dela tocou.

- Então não atendes….não percebo…como és capaz de andar com um telemóvel desse tamanho?
- Pois…mas tem de ser. É o meu mini computador…Olha tenho um email…deixa ver:


NESTE RIO DE OLHARES

Neste rio de olhares…sedento de ti minha flor, sonho-te
No acariciar de pétalas doces e ousadas do teu amar…
Neste constante abrir de fluxos adocicados mágicos de nós
Serenar aberto, fonte infinita, correr seguro, quimera una!.

Como é bom subir ao ponto mais alto do teu querer, meu ...
Dar-te a conhecer este imprimir livro encantado, livre...
Nos poemas, nunca ditos, por dizer, mas segredados
Nas noites, onde o luar convida e a noite delonga, nossa!

Neste acalmar de corpo planície de sentires variegados
Meneio-te as ondas capilares provocadoras deste estar
E dedilho-me como se frio tivesse, no dizer d'alma soletrado.

Cristalizo a tua boca receptora, com o ornar da minha sede
Rasgo preconceitos, formas pudicas de sociedades castas
E semeio-te a razão deste viver , verbo análogo de dizer, teu !

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-Tão lindo…."pera" aí ….malvado….quando o escreveste?
- Antes de ir buscar-te ao nosso mar…
- Mas só agora chegou…
- “Daaaaaaa”….programei o envio…
- Oooops !!!!…desculpa! Tão lindo. É para mim?
- Não… é para a outra…
- Já paravas...Qual??? ...aquela que te comenta no Blog…
as tuas palavras são segredos que me afagam o meu pensamento
- Amor…isso é linguagem virtual…eu nem a conheço…
- Pois…mas eu não gosto…
- Olha eu também não gosto daquele “aviador”….que te comenta dizendo que o deixas tão feliz…
- Amor …não ligues….ele é assim…e além do mais é linguagem virtual…
- Vês…também não gosto…
- Amor…não tenhas ciúmes…prometo que tomarei em conta os “disparates” dele…e se necessário actuarei…
- Muito bem…faço minhas as tuas palavras…quanto a ela…
- Tens ciúmes de mim?
- Um pouco. Repara… vivemos afastados um do outro, por vezes semanas seguidas…
- Eu entendo…mas sou tua…já o sabes…e mantenho um respeito e fidelidade à tua pessoa…sabes isso?
- Sim. E não duvides…
- Eu acredito…não precisas de dizer…
- Ai…ai…só de pensar que depois de amanhã tenho de ir para Bruxelas
- Eu levo-te lá….
- A Bruxelas…??????
- Não… ao aeroporto…
- Malvado…caio sempre…

E o amor aconteceu. Envoltos no maior segredo desse verbo doce…a noite em conchinha passou rápida. No dia seguinte, pequeno almoço no café do Ti João…que astuto…lembrando-se da zanga anterior…remata:

- Pois…pois…Bons dias!
- Bom dia…
- Então ...olhe lá... não é melhor bem acompanhado do que só e triste?

Sem perceber porquê, ela pergunta:

- Mas estiveste aqui acompanhado com quem?
- Calma….
- OH! "Stora"…aqui o menino Zé no outro dia estava triste…e veio sozinho aqui ao café…e eu perguntei-lhe se estava sozinho…e olhe que estava…juro!

No caminho de regresso à capital, como sempre de mão dada, técnica aperfeiçoada e altamente facilitada em carros de caixa automática, várias juras eram sempre rematadas com um sorriso…e um… “para sempre” !

No aeroporto, os abraços sucediam-se em quarto crescente…cada vez mais orlados por beijos longos.

Quase, na hora do embarque…

- Ok…meu amor…tenho de ir…AMO-TE! MUITO!
- Espera…quando voltas?
- Daqui a três semanas…se tudo correr bem…sabes como é a política?
- É …eu sei…incrível…apesar de sermos de quadrantes de política diferente…
- Não direi diferentes…pequenos nadas de diferenças…mas ias a dizer…
- Que nos damos bem…no amor…no amor….no amor…no amor…
- Tão bom…sentir-te feliz…gosto de ver esse teu ar sorridente…
- Amor…lembrei-me…não me digas…que vamos falhar a Carmina Burana…eu já comprei bilhetes…
- Amor..eu estou em Bruxelas… "pera"….isso é para o próximo fim de semana…certo?
- Sim…
- Malvado… dás-me cabo do orçamento…vou marcar já bilhete de avião, para sábado próximo …vês… é para isso que servem os telemóveis grandes…e isto é amor! OUVISTE!

- Não grites…se os pássaros ouvem…ainda fazem greve…e afectam a aviação!




in DIÁRIO - By OUTONO - 2009